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ESTRATÉGIA BOLSONARO - Gerenciar crises criando outras

Por Cristiano Gonçalves
“Eu estou ‘por aqui’ com o Levy. Falei pra ele: demita esse cara na segunda-feira ou eu demito você sem passar pelo Paulo Guedes”.
“Esse cara” não era um moleque que sumiu com o dinheiro do pão, como fez parecer Jair Bolsonaro em conversa com jornalistas, mas o futuro diretor de Mercado de Capitais do BNDES, banco de fomento presidido por Joaquim Levy. Entre outras funções, Marcos Barbosa Pinto seria responsável pelo BNDESPar, braço de participações acionárias da instituição, que administra cerca de R$ 100 bilhões para investimentos.
Segundo a colunista do jornal O Globo, Miriam Leitão, o presidente estava incomodado com a relutância dos gestores do BNDES em abrir a “caixa preta” da instituição. O presidente quer detalhes das operações feitas durante os governos petistas, entre as quais empréstimo a Cuba, Venezuela e ao grupo JBS.
As informações são públicas, e facilmente acessáveis, mas Bolsonaro está convicto de que tem coisa escondida ali (alguém se lembra da Lava Jato do MEC, anunciada pelo ministro da Educação que caiu pouco depois? Pois é).
Tanto Levy quanto Barbosa Pinto já atuaram nas gestões petistas. Apesar disso, não passariam perto de serem aplaudidos em uma eventual convenção petista.
Pelo contrário: conhecido como “Chicago Boy”, em razão de seu doutorado na Universidade de Chicago, a meca do neoliberalismo, Levy foi secretário nacional do Tesouro no primeiro governo Lula (quando valia o compromisso da Carta ao povo Brasileiro em tempos de austeridade) e, no fim do governo Dilma, teve uma passagem-relâmpago no Ministério da Fazenda, cargo para o qual foi acionado para elaborar o tal ajuste fiscal que a presidenta negava ser necessário em campanha.
Os petistas jamais engoliram a nomeação. Seu apelido era “mãos de tesoura”.
Durante sua passagem pelo governo, Levy sofreu todo tipo de boicote. Ficou 11 meses no cargo, sendo substituído pelo desenvolvimentista Nelson Barbosa.
Já Barbosa Pinto, doutor em direito pela USP e mestre em economia e finanças pela Fundação Getúlio Vargas, foi chefe de gabinete da presidência do BNDES durante o governo Lula, atuou como assessor informal do governo petista em um projeto de parcerias público-privadas em países africanos e ajudou a elaborar o Prouni, porta de entrada de milhares de jovens à universidade.
Para Bolsonaro, que se gaba de nada entender de economia e prometia terceirizar todas as decisões ao seu ministro da Economia, Paulo “Posto Ipiranga” Guedes, o passado em governos petistas condenava os dois executivos.
Responsável pela nomeação de Levy, Guedes, se não apoiou, não se opôs à fritura.
Tanto nas gestões petistas, quanto no governo Bolsonaro, Levy era uma ponte com os liberais de quatro costados – desses que não digerem interferências no livro mercado nem ataques de fúria como a demonstrada pelo presidente ao colocar a cabeça de dois auxiliares a prêmio.
Então por que comprar essa briga?
Difícil entender a razão das decisões fora da perspectiva paranoide.
Mas a pressa em destampar a “caixa preta” do BNDES, como quem joga para a militância tuteira, acontece no momento em que Bolsonaro atravessa nova zona de turbulência, com as revelações da tabelinha entre seu superministro da Justiça, Sergio Moro, com procuradores em Curitiba, e com a desidratação da reforma da Previdência pelo Congresso.
A semana que começou com um alicerce de credibilidade do governo abalada terminou com Bolsonaro em “modo on fire”, centralizando decisões e demitindo todo mundo que não se curva à sua vontade, inclusive o presidente dos Correios, “que se comporta como sindicalista”, e do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ejetado da Secretaria de Governo pelo grave crime de não atender aos pleitos dos filhos do presidente.
Sabe onde essa centralização personalista também é muito comum? Isso mesmo, na Venezuela.
Com a demissão de Levy, nas contas do jornal O Globo, já são 19 baixas no segundo escalão do governo desde o início do ano, sem contar os três ministros que já não batem continências ao capitão (Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral, Ricardo Vélez-Rodrigues, da Educação, além de Santos Cruz).
O viés é de alta, apesar da relutância de Bolsonaro em demitir o atual ministro do Turismo, acusado de embolsar recursos do fundo partidário por supostas candidatas laranja do PSL, partido do presidente, em Minas Gerais.
Os números mostram uma pequena grande reforma em um edifício entregue aos moradores há pouco mais de cinco meses, e não revelam apenas a falta de planejamento de quem passou 30 anos da vida pública prometendo mudar tudo isso que está aí e, agora que tem chance, patina na própria verborragia.
Revela uma capacidade ímpar de jogar gasolina para queimar pontes e apagar os incêndios no próprio quintal.
Para quem espera algum tipo de estabilidade (ou sanidade?) para tomar qualquer decisão no país, inclusive de investimentos, o amadorismo exposto em praça pública não poderia ser mais preocupante.

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